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quinta-feira, 7 de setembro de 2017

"O elefante chamado Brasil, por Sérgio Porto"



No tempo em que um deputado descobriu que o grande problema do país era “ter sido descoberto por estrangeiros” e seu outro colega de plenário “tentava revogar a lei da oferta e da procura”, Sérgio Porto, nome de guerra Stanislaw Ponte Preta, publicou o conto “O Elefante”. O conto faz parte do livro 64 d.C., C de Castelo não de Cristo, editado em novembro de 1967 pela editora Tempo Brasileiro com textos também de Antônio Callado, Marques Rebelo, entre outros.

O bom equilíbrio de Sérgio Porto

Nas 32 páginas de “O Elefante”, o autor relata as (des)venturas de um elefante circense chamado Brasil, impagável, leia trechos do conto:


“Na grande barraca armada por trás do circo, onde se instalavam os improvisados camarins, havia uma espécie de assembleia iluminada à vela, para não se gastar o óleo do gerador que, se ligado, faria muito barulho e prejudicaria o sono, a conversa, a paciência (…) Depois que Matias anunciou a renda do dia explicando que praticamente não sobraria nada quando fossem pagas as despesas extras, os comentários de uns se juntaram aos protestos de outros e, não demorou muito, todos participavam de uma assembleia de classe. Só o elefante não estava ali para reivindicar nada, embora fosse o único componente do elenco capaz de atrair algum público. Era ele inclusive quem mais trabalhava, na hora de armar ou desarmar o circo. No entanto estava alheio aos debates que decidiriam o seu futuro. (…) Todos tentavam expor seus problemas pessoais, sem se importar com o Brasil. (…) Olegário, o equilibrista, ia dizer alguma coisa, mas alguém interrompeu passando-lhe uma caneca de café, com certa ironia: ‘Pelo menos temos café’. Mas Juraci completou: ‘O nosso café é pouco para sustentar todo esse povo!’ (…) Ficamos mais de uma semana sem ganhar nem para o capim do Brasil. (…) A dívida maior — lembrou Matias — é a da gasolina para os caminhões. O homem do posto falou que não pode esperar. Ele trabalha para uma firma americana e eles não fornecem mais nada se as contas não estiverem em dia (…) Então a gente vende aquilo que for preciso pra liquidar a dívida’, concluiu Chupetinha (…) O que seria vendido para pagar as dívidas? Lá fora o elefante balançou as orelhas ao ouvir seu nome. ‘Minha opinião é de que devemos vender o Brasil!’ (…) O Brasil atrapalhava. De um momento passou a ser um estorvo. ‘Podíamos levar o Brasil para outro lugar, onde fosse mais fácil fazer negócio’, palpitou o palhaço, que estava querendo ver o circo pegar fogo, a lona, as estacas, as tábuas, as cadeiras, os caminhões, tudo.(…) Juraci, o engolidor de espadas, parecia o mais apressado em vender o Brasil logo de uma vez (…) Mas vocês esquecem que vendemos o caminhão que carregava o elefante, para ajudar a pagar o enterro de Matias. ‘O Brasil está sem transporte!’ (…) Lamentando a situação do Brasil, o anão Chupetinha balançou a cabeça, pediu a palavra e propôs com a voz fininha: ‘O jeito é a gente se mandar e deixar o Brasil à própria sorte!’ (…)

O Presidente, homem de hábitos rígidos e de disciplina militar, levantava-se cedo. Logo a janela se abriu e ele nela assomou, para respirar o ar fresco da manhã. Olhou para baixo e viu o Brasil. Ali estavam os dois, frente a frente. Entre ambos não era possível haver diálogo, claro. O espanto do Presidente não era menor do que o do Brasil. Era o primeiro encontro dos dois, a sós, talvez escapasse ao estadista, o estado do elefante, abatido por tantas mudanças em sua vida. Poderia aquele que o contemplava agora, do alto de sua solidão, salvá-lo?”

Dois meses e meio depois que Sérgio Porto foi vitimado pelo seu problema crônico de coração com apenas 45 anos foi decretado o AI-5, em 13 de dezembro de 1968, e muitos colegas de labuta de Porto foram presos, talvez ele fosse também.

Fonte usada: “Dupla Exposição, Stanislaw Sérgio Ponte Porto Preta”, de Renato Sérgio.

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