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quinta-feira, 18 de maio de 2017

DILEMAS DA ARTE DO SÉCULO XXI - RETRATOS DA APOPLEXIA


Carta aberta, anônima, de uma artista convidada:



Este é um problema que artistas e não artistas enfrentam diariamente. E não, não estou falando da quantidade patética de champanhe que se tem servido nas vernissages, hoje em dia, nem na quase abolição da tradição dos canapés. Estou falando do embaraço ao comentar as obras com as quais nos deparamos. Admita: não é realmente complicado? Aqui, vou tentar dar algumas dicas e fazer algumas reflexões importantes sobre esse tema, e sobre o futuro da Arte.

Se você é artista ou estudante de Arte, já deve estar acostumado com a coisa. Ir em vernissages não é apreciar a obra dos seus colegas. Por que seria? Você quer dar trela para a concorrência? Você quer mesmo ver aquela porcaria? Seus amigos estão ali, você tem aquela chance gloriosa de fumar com gestos extravagantes e ensinar ao mundo o significado da palavra blasé. E o look?! O piercing novo, a tatuagem enigmática, a sua inquestionável originalidade (já que seu piercing é levemente diferente do da sua amiga, e a tatuagem não é de estrela, mas de borboleta), tudo demonstrando a sua coragem e sua invejável desinibição (ou compensando alguma neurose – mas deixemos isso com Freud). Difícil dizer onde a “Arte” entra nisso tudo, não é? Mas calma lá.

É verdade, o glamour é uma nuvem em torno da Arte, e ele é necessário. Até pra arranjarmos algum sexo e status social, é ou não é? Mas a Arte, bem, ela está nas exposições. Nenhuma novidade, né? E daí, algum dia você é chamado para dar conselho sobre a obra de alguém, sobre uma tela pintada inteiramente em rosa choque com um rolo de papel higiênico colado no centro, ou sobre um patinho de borracha derretido sobre um pratinho de festa de aniversário, ou sobre uma bolinha de gude pendurada por uma corda transada com pelos pubianos. E vem a pergunta (do seu colega, amigo, ou pior – professor): o que você acha?



Obra de Teresa Poester

Aí, a dor. Você não sabe o que dizer. Não sabe o que pensar. E se pensa algo, sabe muito bem que é melhor não dizer.

E tenta lembrar: como é que aquele cara, certa vez, elogiou o trabalho de fulano? Eram palavras tão eloquentes! Não significavam bulhufas, mas, nossa!, como eram lisonjeiras e impressionantes! Como é que o teórico tal falou? Aquele que eu li meio polígrafo, não entendi nada, mas achei o máximo, já que os professores babavam com olhos esbugalhados de fanatismo ao citar seu santo nome. Queria lembrar de pelo menos algumas daquelas palavras, tipo “magistral”, “primoroso”, "avant-garde"... Mas nada tão exagerado, também. Que situação!

É aí você peca feio, e se sai com o pior comentário possível: é bonito. Não! Há milênios, Arte não é sinônimo de Belo. Hoje, bonito é que não é Arte. Bonito é decoração, artesanato. Então, Deus, o que você diz? “Interessante”... Será que serve? Não, nunca diga isso: é o mesmo que não dizer nada – ou pior. É como se alguém dissesse: "te acho lindo. E você, o que acha de mim?" E você respondesse: "Ah, você é simpática." Lembra dessa? É do Chaves. Mas, é claro, não diga que é bonito nem que é feio. Vai querer bancar o ignorante?

Ah, e jamais mencione que a obra poderia ter sido feita por uma criança. Nem no caso de até um especialista acreditar que, de fato, foi uma criança que a fez. E nem que o próprio artista diga que foi o filho dele quem fez. Não importa! Se disser isso, você será um ignorante para sempre.



Obra de exposição dos artistas Umbelina Barreto e Flávio Morsch

Obviamente, também não diga que a obra é moderna. Depois das vanguardas modernas, houve a pós-modernidade, e hoje estamos na transmodernidade; você não anda lendo seu feed? Ainda lê a Enciclopédia Barsa pra se informar? Mas, ah!, há centenas de outros erros patéticos que as pessoas cometem em Arte, eu me roo só de pensar. E pior, essa gente quer agradar. Dizem: ai, que criativo! Como se criatividade fosse coisa de artista. Criatividade é o ganha-pão do designer, do publicitário, do game developer, do zé da folha, da equipe da Apple, da Microsoft e do Google; até os manezinhos do artesanato usam disso de criatividade. É isso a Arte, gente? Vocês acham mesmo que Arte é isso?

Não quero me estender, mas você já deve ter ouvido várias outras que doem nos nossos ouvidos, é ou não é? “Sua Arte é perturbadora, causa fortes sentimentos no espectador.” Arte pode ser só forma, você sabia? Eu posso não querer passar nenhum sentimento. “Sua Arte é inovadora.” Quem disse que quero inovar? Todo mundo quer inovar, eu tenho que fazer isso também? E a homenagem que faço às minhas referências artísticas, aos meus ídolos a quem (confesso) plagio toda hora? Ou “Essa obra é muito semelhante a tal e tal...” Só respondo: eu perguntei alguma coisa?! Mas o pior, o pior é quando o imbecil vai ao museu e não entende a obra. Tenho vontade de perguntar: o que você faz num museu, querido? Mas claro, sou educada. Mas me faz pensar: por que não mantemos um mediador fixo junto a cada obra? Acredito que 90% dos visitantes de museu são completamente incapazes de decifrar os códigos sofisticados que construo em minhas obras. Por que não fixar a explicação ao lado das peças, então? Fixar o mediador. Ora, quero que minha obra inclua um mediador. É pedir demais?! Se a obra é incompreensível sem um mediador, então ela não está completa sem um. Não é óbvio de doer no osso, gente? Realmente me pergunto. Somente lamentaria que, nesse caso, todos saíssem do museu com aquela cara de entendidos, de gente que viu e apreciou, e meu ego talvez caísse uns bons metros. "O quê?! Os gênios deveriam ser incompreendidos! Como ousam me compreender! Vou me tornar uma reles mortal." Não sei, não sei. Não me julguem! Ainda não sei o que pensar sobre isso. Só sei que, se você quiser colaborar, por gentileza entre no meu site e contribua com a cultura comprando algumas das minhas obras na seção “carrinho de compras”. Aceito cartão, parcelo em até 12 vezes.



Obra de Adriane Hernandez

Mas tem quem diga que a Arte de verdade está na causa política, no comprometimento com mudanças históricas. Ora, meu amor, nós não somos panfletistas. Nem carro de jingle. Não sou eu que vou lhe dizer em quem votar, ou como mudar o mundo. Não consigo nem lavar minha louça. Eu faço Arte. Arte. Utilitarismo é coisa de artesanato, de marketing, de capitalista, de empresário. Não vá confundir as coisas. Aliás, não entendo nada de política.

Mas se você não pagar pau pra Dilma, Lula, Fidel e Che, eu excluo do Face. Avisei.

Porque, afinal, diversidade é o que nós buscamos com mais paixão. Isso é o lindo da comunidade artística. Posso dizer que nos unimos pelo amor pela multidão de raças, credos, gêneros, culturas e opiniões, que formam os tijolinhos de nossa comunidade de Arte. É missão de nossa geração corrigir os erros racistas, misóginos, conservadores e intolerantes de nossos pais, avós e bisavós. E é em nome da tolerância absoluta que jamais daremos espaço para essa massa direitista em nossas universidades. Afinal, como poderemos ter multiculturalismo, liberdade de expressão e representatividade sem banir alguns dos grupos de que não gostamos? É 1 + 1, gente, não é difícil compreender.



Obra de Iberê Camargo

Nós somos a vanguarda. Sei que é um pouco megalomaníaco dizer isso, mas gente!, temos que cair na real: nós somos a geração que está construindo o futuro. Nós estamos na crista da onda, e podemos tudo. Sem autoajuda aqui: é a pura verdade. Então, é hora de jogarmos fora esses mecanismos patriarcais antiquados que davam voz a brancos, machos, héteros, gente cis – pessoas que já tiraram proveito do que o mundo tem de melhor desde o início dos tempos (desde o Egito, a pólis de Atenas, a Babilônia) e devemos, finalmente, empoderar as minorias. Sim, calando a boca dos privilegiados – não só os que desfrutam de mais dinheiro, mas principalmente esses cuja pigmentação de melanina é baixa; esses que nasceram com o sistema reprodutor em perfeita sintonia com sua identidade de gênero e sua orientação sexual; esses, nós devemos finalmente colocar em seu lugar. Chega de privilégio. Se me perguntam "o que é Arte?", eu respondo: não sei, mas certamente não são esses 4 mil anos de arte misógina e falocêntrica que expôs a mulher como um objeto. Claro, não vai sobrar muito pra estudar na faculdade, depois desse corte. Mas cada coisa de uma vez.

A Arte das próximas décadas, essa Arte com “A” maiúsculo, tem que dar voz aos emudecidos. Tem que fazer repercutir o trabalho daqueles corajosos que não caem no velho truque do tradicionalistas, esses que tentam aprender técnicas retrógradas e aparentemente secretas de desenho, escultura e pintura; é preciso rejeitar a supremacia desses “artistas” que se exibem com talentos quase inalcançáveis, se pensarmos no artista comum de hoje, para quem a técnica magistral exigiria a dedicação de uma vida de aprendizado. Não, não é essa a Arte que queremos, a Arte do suor e da meritocracia. Arte não é esforço. E, principalmente, Arte não é competição. Basicamente, digo: parem de inovar. Inovem como já foi inovado antes, para não dificultar a vida dos colegas. Pense coletivamente! Porque sabemos que, em competição, alguns jamais irão vencer. Não podemos tolerar essa injustiça. De uma vez por todas, colegas: a Arte é a expressão mais íntima do ser humano, seja qual for; é a expressão do momento, do nosso momento. No fundo, todos vivemos momentos, todos nos expressamos. Logo, como não dizer: todos nós somos artistas.

Mas, meu doce, não esqueça do diploma, do pós, do doutorado - tudo pago pelos seus pais, esses miógenos e retrógrados. É preciso um canudo, gente. Porque artista naïf também não dá, né. Vocês querem que eu perca meu emprego? A coisa não tá fácil.



Obra de Maarten Vanden Eynde

Final da carta anônima."

PAULO CICHELERO


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