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sexta-feira, 18 de março de 2016

O artista alemão Joseph Beuys ganha bela exposição em São Paulo

O artista alemão Joseph Beuys ganha bela exposição em São Paulo

Pensar é esculpir. A revolução somos nós. Todo homem é um artista. Estas três famosas frases Joseph Beuys resumem bem o que era arte para este que é, sem dúvidas, um dos mais importantes artistas do século 20. Ela deve instigar o pensamento, a transformação e a evolução não só do homem, mas da sociedade e do meio ambiente. De fato, havia uma urgência de transformações nas décadas de 1960 e 1970. Há uma urgência de transformações em 2016 – exatos 30 anos após a sua morte. E o professor da Academia de Artes de Dusseldorf parece ter (ainda) muito a nos ensinar.

Para celebrar os 30 anos de sua morte, Antonia Bergamin e Thiago Gomide organizaram a bela exposição Beuys, em parceria com Paola Colacurcio. Dona da antiga Galeria Progetti, ela trabalhou durante muitos anos com Lucio Amelio. Napolitano, Lucio abriu sua galeria em 1969, onde expôs alguns dos artistas mais importantes na cena internacional da época: Robert Rauschenberg, Mario Merz, Jannis Kounellis – que está com uma mostra imperdível em Paris –, Keith Haring e Cy Twombly.

Capri-Batterie foi feita para a última exposição de Beuys, Palazzo Regale, no Museu de Capodimonte


Lucio foi também o responsável por levar o trabalho do alemão Joseph Beuys para a Itália. Começou a representá-lo em 1971 e viraram grandes amigos (Beuys tinha fixação por John Dillinger e fez uma “ação” somente para o galerista e outro amigo na frente do cinema onde o criminoso foi morto). Por isso, organizaram algumas exposições na Itália – incluindo a última mostra do artista, Palazzo Regale, no Museu de Capodimonte. O galerista também foi o responsável por apresentar o alemão ao americano Andy Warhol e o encontro rendeu o famoso retrato de Beuys por Warhol e a obra Global-Art-Fusion. Feita por Kaii Higashiyama, Andy Warhol e Joseph Beuys, a ação foi simples e significativa: um fax foi enviado com desenhos dos três artistas dentro de 32 minutos ao redor do mundo - de Düsseldorf para Nova York e, em seguida, para Tóquio, terminando no Liechtenstein Palace, em Viena. O documento? Era um pedido de paz durante a Guerra Fria na década de 1980.

A seguir, uma conversa sobre a paixão do artista alemão pela Itália e o poder transformador da arte:

Como foi o primeiro contato de Beuys com a Itália?

Paola Colacurcio: Ele estava estudando Ciências e começou a fazer serviço militar. A primeira vez que visitou a Itália foi durante a Segunda Guerra. Estava em Foggia quando escreveu para os pais dizendo que queria ser artista. Mas foi só em 1971 que ele conheceu o Lucio. Aí começou uma longa história de amizade e trabalho. A última mostra dele, por exemplo, foi organizada por nós. No dia 23 de dezembro de 1985 abrimos sua exposiçãoPalazzo Regale, no Museu de Capodimonte. Um mês depois ele faleceu. Inclusive, ele concebeu Capri Batterie [presente na mostra] em quando visitou Capri para pensar nesta exposição.

A ideia desta obra ela falar sobre o poder e energia da natureza, certo?

Sim. Era isso. O amarelo é a cor do sol e da energia e, por isso, era uma das cores preferidas dele e bastante usada nas obras. Ele também usava muito o azul para representar a espiritualidade. Os alemães adoram a Itália! Goethe falava que é “o país onde florescem os limões” – um elemento sensorial forte, principalmente no sul da Itália. Você sente o cheiro deles em todos os lugares. Mas Capri também tem muito pernilongo! Quando ele viu o amarelo das lâmpadas feitas para afastar insetos, logo se lembrou do limão. Também pensou na acidez produzida pela fruta que é capaz de produzir energia. Então, fizemos este múltiplo. Aliás, o Amelio editou muitos múltiplos do Beuys.
 
O artista plantou 7 mil carvalhos em Kassel e fundou o Partido Verde alemão


Como era a relação dele com o conceito de múltiplo? Ele queria democratizar a arte. Esta seria uma das formas?

Sim. Ele produziu mais de 500 múltiplos. A ideia era mesmo de democratização da arte. Ou seja: difundir suas ideias o máximo possível. Se a obra custa pouco, vai alcançar mais gente. Muitas vezes ele fez múltiplos para ajudar: Food for thought, por exemplo, foi feito para a Documenta 6, em 1977, e o objetivo era arrecadar dinheiro para a alimentação dos alunos que estavam lá assistindo palestras.

Ele também fez a primeira obra de arte ecológica da história [7 mil Carvalhos feita durante a Documenta 7, em 1982. O artista plantou sete mil árvores em Kassel, marcadas por placas e pedras de basalto, com a participação do público. O objetivo era promover uma conscientização e mudança ambiental e social, além de mostrar o poder criativo e vontade humana]. Ele arborizou uma cidade. Kassel era muito triste: além da memória da guerra, não tinha árvores. Por isso ele pensou nessa ação. Quem quisesse participar, comprava uma certidão por 500 marcos e ganhava uma muda para plantar.

Esta obra gira em torno da ideia dele de “escultura social”...

Isso. “Escultura social” não é somente uma escultura física. Uma ação também pode ser uma escultura social. A arte, para Beuys, tem o poder da transformação e, claro, evolução. A finalidade da arte é sacudir a nossa cabeça, fazer com que a gente pense e, em seguida, se transforme.

É importante notar que ele foi muito influenciado pelo conceito de Antroposofia de Rudolf Steiner [do grego: "conhecimento do ser humano". É uma ciência espiritual que coloca o homem como participante efetivo do mundo e busca um conhecimento suprassensível da realidade e nosso destino. Não é uma forma de misticismo. É uma ciência, pois trata-se de um conhecimento exato que pode ser acessado pelo pensar, desde que ele seja desenvolvido para tal pelo trabalho diário – exercício de concentração, revisão da memória, percepção pura, etc]. Para Steiner, a arte deveria ser a primeira coisa ensinada na escola. A educação através da arte é transformadora.
Depois de ser expuldo da Academia de Artes de Dusseldorf, o artista escreveu "Democracia é Engraçada" sobre o seu retrato quando saia da instituição

Sim. E a arte – educadora – deve ser acessível para todos. Voltando à democracia da arte. Existe a questão financeira, mas também temática. Alguns artistas dialogam com fatos contemporâneos muito específicos... Outros pesquisam temas mais universais: antroposofia, o poder da natureza, a materialidade das coisas – nenhum destes temas de Beuys está localizado em um contexto temporal ou social.

Claro. Ele abordou temas universais. Falava de ecologia quando ninguém pensava nisso... fundou, inclusive, o Partido Verde alemão. Então, a natureza é muito presente em toda obra dele. Em 7 mil Carvalhos, ele mostra que a natureza transforma uma cidade. São temas universais e não políticos. Você sabe a história de Democracia é Engraçada, ne?

Conheço. É maravilhosa.

Ele dava aulas na Academia de Artes de Dusseldorf e achava que todo mundo deveria ter acesso à educação [especialmente de arte, que é a base para a transformação e evolução do homem]. Por isso, era contra o exame seletivo. Ele ocupou a faculdade com os alunos durante muitos dias e o reitor precisou chamar a polícia para expulsá-lo. Beuys saiu rindo e depois escreveu “demokratie ist lustig” [democracia é engraçada, em alemão] sobre a foto. Ele queria dizer que não podia expressar seu pensamento. E isso não tem nada a ver com democracia, certo? É uma questão social.

Mas a natureza realmente era o tema mais recorrente. As montanhas, para ele, são lugares sagrados, pois você fica perto das entidades do céu. Ele tem várias obras que falam de montanhas. Aqui na exposição, por exemplo, tem a água do Everest e estes desenhos lindos de cinco montanhas. [Evervess e O vôo da águia no vale e volta]. Ele era um romântico.

Uma das garrafas de Evervess está envolvida com feltro – um material presente em toda obra de Beuys. Existe uma lenda que justifica o uso desse material e a gordura: Beuys foi voluntário na Força Aérea Alemã (Luftwaffe) entre 1941 e 1944. Em 16 de março de 1944, seu avião de Beuys foi derrubado na região Crimeia. Aparentemente ele foi resgatado por nômades tártaros, que o envolveram em gordura animal e feltro para aquecer o seu corpo. No entanto, testemunhas dizem que ele foi resgatado pelo exercito alemão. Beuys declara que os tártaros o salvaram, mas estava inconsciente e ele só lembra de algumas imagens e sensações:

“A última coisa que lembro é que já era tarde demais para pular, tarde demais para os pára-quedas abrir. (...) Lembro-me de vozes dizendo 'Voda' (Água), o feltro das suas tendas, e o cheiro pungente e denso de queijo, gordura e leite. Eles cobriram meu corpo em gordura para ajudar a regenerar o calor, e envolveu-o em feltro como um isolante para manter o calor”.
Evervess, 1968


A reinterpretação de sua própria biografia é coerente com o discurso da obra de Beuys. Mas esta história em particular ajudou a transformar sua figura em um mito. É verdade? Faz diferença? O quão importante era a “imagem do artista” para ele? Não há como negar que Beuys construiu uma persona muito interessante e isso deu força à sua obra.

A história é verdadeira. Inclusive, ele tinha uma cicatriz enorme na cabeça... Por isso usava o chapéu! Mas ele realmente era uma pessoa muito fascinante. Lembro-me de quando eu o vi entrar na galeria pela primeira vez: parecia que estava flutuando. Ele tinha uma energia muito forte. Era um xamã. Não sei se ele pensava na imagem do artista. Você precisa imaginar que era outra época. A única forma de difundir a obra era com a fotografia. Vídeo era mais raro, pois ainda usávamos Super 8.

Principalmente performance.

Isso. Mas ele não chamava de performance. Eram ações. E elas eram registradas sem muita pretensão. Aqui, por exemplo, temos vários múltiplos que são fotos de ações. É o caso do Terremoto in Palazzo – feita a convite de Amelio depois de um grande terremoto em Campania. A palavra “Palazzo” é usada, na Itália, para falar sobre sede do governo. Ou seja: é um terremoto na cabeça da sociedade. [Nesta ação, Beuys colocou vasos equilibrados entre as paredes e mesas que resistiram ao desastre. Ele “encarnou” um sismógrafo e se escondeu debaixo da mesa, pois é o que as pessoas fazem durante um terremoto. De baixo dos móveis, ele desenhava em um rolo de cardiograma.]. O terremoto é uma metáfora da própria arte, pois ela deve chacoalhar a nossa cabeça. Deve questionar. Só desta maneira que o homem evolui... Não é olhando uma flor bonitinha! A revolução está em cada homem. E todo homem é um artista!
La Rivoluzione Siamo Noi, 1972


Sobre os outros elementos da obra dele. A gordura também é uma referência ao acidente. Beuys também usava o mel e a cera, pois tinha uma fascinação pela fraternidade e formação da sociedade das abelhas. A Lebre é um animal sagrado para ele e para muitos pensadores...

Isso. A lebre é sagaz, rápida e muito fértil. O mel também tem uma questão medicinal. E ele sempre usava esse carimbo com a cruz grega [uma cruz que possui os quatro braços do mesmo tamanho e representa o equilíbrio entre o divino e o terreno, entre a matéria e o espírito, o masculino e o feminino. A cruz grega simboliza a união dos opostos e a sua harmonia].

A cruz também faz menção a algo que precisa ser curado. Como a própria sociedade alemã. E o ouro?

O ouro está no trabalho de muitos artistas. O silêncio é de ouro, não é? Para ele, há ainda uma alusão à alquimia e à transformação. Já o coiote representa a América [em I Like America and America Likes Me, ele voou para Nova York e, quando chegou, foi levado para a Rene Block Gallery de ambulância. Ele estava enrolado em um manto de feltro e passou 8 horas, durante três dias, em uma sala com um coiote selvagem, algumas amoras, um monte de palha e uma vara. No final a ação, o animal já estava bastante tolerante e permitiu que o artista o abraçasse. Beuys , então, foi para o aeroporto de ambulância – não queria ver na America que não fosse o coiote e a sala da galeria aeroporto através de ambulância – e voltou para a Europa ].
Beuys interagindo com o coiote em I Like America and America Likes Me


Thiago Gomide: Ele voltou para os Estados Unidos?

Sim. Lucio me falou sobre uma ação que Beuys fez apenas para ele e outra pessoa. Esta foi na frente do cinema onde John Dillinger foi assassinado, em Chicago.

TG: Ele era apaixonado pelo John Dillinger!

Sobre a obra Fat Chair?

TG: A gordura sobre a cadeira forma um triângulo, outro símbolo importante na obra dele. Ele usou um triângulo musical na cintura em I Like America and America Likes Me. E também fez uma obra que é um triângulo de graxa na quina da sala.

A referência vem das teorias de Rudolf Steiner. Ele dizia que a evolução da humanidade deveria ser baseada pelo movimento progressivo de três estruturas: o Estado, a economia e a vida intelectual. Beuys se apropriava desse conceito e dizia que toda estrutura com três lados representava a “essência do homem”. Para o artista, no entanto, os três elementos eram “pensar, sentir e querer”.

Já a cadeira é uma menção às cadeiras representadas por dois outros artistas: Vincent van Gogh e Robert Rauschenberg. [ Nenhuma peça possui assinatura ou desenho marcante. São cadeiras de trabalhadores e enfatizam a vida do artista no ateliê. Beuys teria se colocando em na posição de “seres espiritualmente sensíveis vivendo no limite da sociedade ]
Fat Chair, 1964


Ele chegava a entrar em transe durante algumas ações [Em Vitex agnus castus, por exemplo, ele passou horas esfregando a mão em uma pilha de cobre, cera e óleo até entrar em um estado de transe]. Tinha uma ligação forte com o xamanismo, mas também usava algumas referências do cristianismo. Ele tinha alguma religião?

Não. Ele era muito espiritual... Falava em entidades e anjos, mas a religião dele era a arte.

Ele fez alguns LPs e também a obra Infiltration Homogen for Piano [ um piano revestido com feltro e uma cruz vermelha. Para Beuys, esta obra era um “objeto-ação”. O piano revestido não podia ser tocado, mas o instrumento contém o som em si de qualquer forma. A cruz aponta para o perigo de ficar em silêncio.] Qual era a relação dele com a música?
Requiem of Art, LP feito em parceria com Henning Christiansen


Ele dizia que a música era também uma “escultura social”. É uma escultura fluida que tem um grande poder de transformação. Os LPs eram sempre feitos em parceria com músicos.Schottische Symphonie / Requiem of Art , por exemplo, foi feito com Henning Christiansen.

Como foi a última vez que você encontrou com ele?

Acho que ele sabia que ia morrer. Falou: “Cuida do Lucio por mim”.

Beuys
Data: De 17 de março até 30 de abril
Local: Galeria Bergamin & Gomide
Endereço: Rua Oscar Freire 379 lj 1, São Paulo
Contato: tel. (11) 3853-5800

Infiltration Homogen for Piano
Vitex agnus castus, 1973
O registro da ação How to explain pictures to a dead hare, 1965, é considerado a "Mona Lisa do século 20". A e obra foi reinterpretada por Marina Abramović em 2005 durante sua exposição no Guggenheim Museum
Telephon S ------ E, 1974
Felt Suit ,1970
The pack, de 1969, é uma clara referência ao acidente durante a Segunda Guerra
Beuys por Andy Warhol

Vogue

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